Electric speed tends to abolish time and space in human awareness. There is no delay in the effect of one event upon another. The electric extension of the nervous system creates the unified field of organically interrelated structures that we call the present Age of Information.
(A velocidade eléctrica tende a abolir o tempo e o espaço na consciência humana. O efeito de um acontecimento sobre o outro é contínuo. A extensão eléctrica do sistema nervoso cria o campo unificado de estruturas organicamente interrelacionadas que denominamos a actual Era da Informação.)
- Marshall McLuhan -
Artificial reality is the authentic postmodern condition, and virtual reality its definitive technological expression.
(A realidade artificial é a condição pós-moderna autêntica, e a realidade virtual é a sua expressão tecnológica definitiva.)
- Benjamin Wooley -
Telewriting struggles to be less than perfectly transparent. Printed words on the page are not merely windows to ideas represented by the author. To the contrary, the play of the grapheme lends the surface of the text an importance it does not enjoy in printed words. Paradoxically, the dematerialization of the text on the video screen creates the possibility for the reemergence of the materiality of writing.
(A escrita electrónica esforça-se por não ser perfeitamente transparente. As palavras impressas na página não são simplesmente janelas para ideias representadas pelo autor. Pelo contrário, o jogo do grafema empresta à superfície do texto uma importância de que ele não usufrui em palavras impressas. Paradoxalmente, a desmaterialização do texto no écran de video cria a possibilidade da reemergência da materialidade da escrita.)
- M. Taylor/E. Saarinen -
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Estamos a abandonar a logosfera, o reino do manuscrito ou da escrita, e a entrar no admirável mundo novo da electrónica e dos hipermedia. Vai ficando cada vez mais para trás o mundo da representação, da presença e da edição crítica, como todos os mitos e rituais da escrita que nos precederam. Inexorável, emerge à nossa frente um Novo Mundo cuja virtualidade e simulação, como espaço não-espaço (utopia), temos de praticar.
Embora Steven Birkerts afirme que "o contrário da presença é a virtualidade, a simulação" , o conhecimento da história ensina que não é verdade que o homem prefira a sua prisão à descoberta de um novo espaço. Não obstante as muitas vozes discordantes contra as metodologias quantitativas, a erosão da presença, a perda da imediatez do compromisso, o medo de perder a realidade que sustentava o mundo moderno na ausência da autoridade religiosa , as cruzadas antitecnológicas, a tecnofobia, e o coro de resistência contra os computadores , não há dúvida de que o homem prefere a descoberta do novo espaço não nomeável, e por uma boa razão: “Dar um nome é sempre, como em todo o acto de nascimento, sublimar uma singularidade e entregá-la à polícia” . Arrisquemos um nome para singularizar este novo espaço, chamemos-lhe espaço de multiplicidades, servindo-nos de um dos conceitos fortes de Deleuze: “Faites rhizome, mais vous ne savez pas avec quoi vous pouvez faire rhizome, quelle tige souterraine va faire effectivement rhizome, ou faire devenir, faire population dans votre désert” . Este filósofo opõe a noção do múltiplo fundado e referido à unidade, à multiplicidade “que não tem nem sujeito nem objecto, mas apenas determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que ela mude de natureza (...) Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que aumenta as suas conexões” .
O carácter indeterminado, intrínseco, virtual, efervescente, contingente, da multiplicidade ou da dobra ensinam-nos algo sobre a indexação negativa da forma: se nenhuma forma é dada a priori , segue-se que toda a forma é um agenciamento provisório de singularidades moventes e livres e que o homem ou o acaso são livres de as reunir de outro modo. E se nada está gravado no mármore da necessidade, então tudo pode ser criado . É a esta estrutura fluida e livre da multiplicidade que Deleuze chama série ou rizoma. A série e o rizoma, formas organizacionais da multiplicidade aparecem como modelos de organização linear que progridem sem hierarquia e sem dicotomia. Em Mille Plateaux o primeiro princípio do rizoma é o princípio de conexão e de heterogeneidade: “qualquer ponto dum rizoma pode ser conectado com um outro qualquer e deve sê-lo”. Esta mesma liberdade se encontra no princípio de ruptura asignificante em virtude do qual “um rizoma pode ser rompido, quebrado num ponto qualquer”, contrariamente às estruturas arborescentes cujos pontos de ruptura estão limitativamente localizados e significantes. Este princípio coloca-nos diante da ductilidade e, portanto, da contingência das suas configurações, em que a linha é “anterior” aos desenhos que enlaça. Em último caso, a forma é uma linha morta, e a significância, como a forma substancial, é uma maneira de eternizar, de transformar o precário em signo conservável.
Toda a cultura se inscreve num espaço de transformações, metamorfoses (viagem através das formas) de dobras, de intensidades, de anamorfoses (ultrapassagem da forma em direcção à intensidade aformal). No decurso dos séculos, a própria literatura se transformou e, com ela, a crítica. Houve uma decisiva transformação nos últimos trinta anos no espírito e carácter da escrita contemporânea. Por volta da década de 70 não era difícil ver que estávamos cercados por uma geração plural e inovadora - na verdade, várias gerações, cujas obras representam uma pesquisa radical nas formas contemporâneas e nos obrigam a ler e a compreender de modos inteiramente novos . A pesquisa oulipiana coloca-se explicitamente sob o signo de Leibniz, e desenvolve-se numa atmosfera muito marcada de ludismo formal, incluindo as experiências do grupo “manipulações lexicolográficas, sintácticas ou prosódicas, e o desenvolvimento de modelos textuais peri-matemáticos: poemas booleanos, contos em desenvolvimento arborescente, estruturas combinatórias, permutações, espirais, etc.” Com a nova escrita chegou também uma nova crítica, ou melhor: um novo teorema crítico, de índole ora "estruturalista" ora "desconstrutiva". Que farão os estudantes e teóricos da literatura num reino electrónico? E, mais importante: como o farão?
Nos começos da década de 90, sentiu-se uma lufada de interesse pelo romance hipertexto, com a sua múltipla rede de entrechos narrativos, que podiam ser seguidos de modos muito diversos e houve algumas experiências, em mais larga escala, de criação de ficções hipertextuais na Internet. Isto pode parecer hermético e restritivo, se não profundamente apocalíptico, mas aponta para a presença, no nosso tempo, de um novo sentido do estatuto da palavra e do texto, do autor e do leitor, que configura e estrutura a emergência de novas formas. De há muito que a literatura pluralística, como a de Calvino, Borges, Joyce e Eco, ou mesmo a escrita idiossincrática de um Hendrik Van Loon, indicavam esta mudança. O modo de tratar a palavra na cibercultura é inspirado pela linguagem gráfica dos dadaístas e construtivistas nos primeiros anos do século. Eles próprios se inspiraram na linguagem publicitária, no grafismo dos jornais e da moda. A nossa cultura opõe a imagem visual à linguagem verbal, enquantro linearidade. Mas é possível linearizar a imagem simultânea, assim como é possível espacializar a linguagem verbal, através de paralelismos, do isomorfismo dos morfemas, das simetrias, assimetrias, etc. que lhe dão características de simultaneidade. Trata-se de gramaticalizar a imagem. Jakobson encontrou nas poesias de todas as culturas analisadas um mesmo princípio, o paralelismo, ou seja, a capacidade da lingugaem verbal de organizar-se a ponto de suspender a sua própria linearidade. A Poesia Visiva colocou algo que Lotman assinala com precisão: as fronteiras entre palavra e imagem não são fronteiras, mas filtros. os futuristas misturavam poesia, pintura, teatro, música, etc., fazendo desaparecer as divisões tradicionais das linguagens.
De qualquer modo, a civilização da imprensa (jornal ou livro) parece condenada à extinção, forçada a reciclar-se: "uma das ironias do fascínio que sobre a nossa cultura exercem as tecnologias virtuais é a sua predilecção por consumir livros e artigos que proclamam a morte da cultura da imprensa - ou o seu desaparecimento, absorvida pela matriz... O Ciberespaço... é impensável sem a cultura da imprensa que pretende transcender" . Não é o fim da linguagem escrita. Acontece é que a linguagem escrita não é mais o alto templo da sociedade ocidental na sua idade clássica com os atributos de frases bem feitas, correcção gramatical e ortográfica. Tornou-se “oral”, mas ainda se “imprime” no ecrã. A comunicação via Email faz-se muito mais em estilo conversa do que no formato clássico da carta.
Por um lado, os livros têm mudado desde que foram inventados. Por outro, continuarão sempre a mudar, quer a direcção seja electrónica quer não. Os livros impressos são artefactos tecnológicos e não parte da natureza.
Com a extinção e reciclagem desta civilização, uma nova se anuncia, a da escrita electrónica . Deleuze anunciou o advento desta nova era com a notável visualidade que marcava a sua filosofia: “não temos mais uma tripartição entre um campo de realidade, o mundo, um campo de representação, o livro, e um campo de subjectividade, o autor. Mas um agenciamento põe determinadas multiplicidades em conexão, em cada uma destas ordens, embora um livro não tenha a sua sequência no livro seguinte, nem o seu objecto no mundo, nem o seu sujeito em um ou vários autores.
Numa palavra, parece-nos que a escrita nunca se fará nunca suficientemente em nome dum exterior.(...). O livro, agenciamento com o exterior, contra o livro-imagem do mundo. Um livro-rizoma, e não mais dicotómico, giratório ou articulado” .
A Internet está a meio de provocar uma revolução das culturas e das civilizações. As auto-estradas da informação prometem muito mais do que o acesso à informação universal: anunciam uma revolução muito mais vertiginosa, a da comunicação. O tempo, o espaço e a identidade serão profundamente reformulados para um mundo em que não haverá escrita, sim algo completamente diverso.
Passar do domínio tipográfico (da reprodução técnica) para as escritas electrónicas (que representam o texto num formato digital) implica uma mudança em relação à crítica, na medida em que verificamos que entre a teoria crítica e o hipertexto existe simultaneamente continuidade e separação. Não devemos considerar as mudanças de paradigma em termos de extermínio, do género: "Isto destrói aquilo" .
No aforismo 44 do seu Wastebook, Hegel chegava à seguinte conclusão: “A nossa posteridade é a próxima feira. Do mesmo modo que na razão tudo se precipita, assim, numa perspectiva de montanha, mais perto a torrente se precipita” Pedes eorum, qui efferent te, sunt ante januam. . É preciso pensar em transformação, porque aquilo que continua a ser verdadeiro é que qualquer paradigma prévio deixa sempre as suas marcas, difundindo-se no paradigma seguinte. Entre o pós-modernismo afirmativo ou celebratório e o pós-modernismo crítico ou de oposição, há, de facto, fronteiras, hibridismo e mediações várias . Há cerca de trinta anos, Marshall MacLuhan afirmava que o conteúdo de qualquer medium é precisamente o antigo medium, que ele substituíu. A Galáxia de Gutenberg não é substituída por um mundo em que os media visuais e auditivos prevalecem, sendo usados para armazenar conhecimento, comunicação ou troca de pensamento. Aquilo que podemos ver não é de modo nenhum o desaparecimento da palavra escrita, mas o contrário: uma explosão de escrita para suporte electrónico de rede no universo da ASCII. Como lemos no RHIZOMA DIGEST: "A Galáxia de Gutenberg é reinventada em redes computorizadas. Mas esta reinvenção também significa que há uma transferência na utilização de ´palavras´" .
O século XX viu nascer um novo discurso sobre a literatura, uma crítica que se qualifica de bom grado moderna. A autonomização do discurso estético parece ligada aos fenómenos da industrialização e da secularização nas nossas sociedades. Diversas escolas, diversos pontos de vista se sucederam, levando pouco a pouco a uma nova maneira de considerar o objecto literário. Alguns traços desta abordagem parecem reencontra-se em toda a parte: gosto pelo formalismo, recusa do psicológico, mas olhando mais de perto, apercebemo-nos de uma grande diversidade e de muitas contradições.
A desaurificação que caracteriza doravante todos os produtos e sub-produtos do regime tipográfico atingiu também a literatura. Entrou em decadência a dimensão aurática do livro e, com ela, também a literatura. A Literatura deixou o Templo, o cânone e as autoridades, imaterializou-se, ao entrar pelo Internet no hiperespaço textual electrónico, mas não morreu. Reproductibilidade e fragmentaridade infinitas desascralizam a unidade-livro, propondo Fernando R. de la Flor a substituição do termo livro por um outro termo: infra-livro . A Literatura secularizou-se, democratizou-se, segundo o voto de Lautréamont: “A poesia deve ser feita por todos, não apenas por um.” A Literatura imaterializou-se, tornando-se jogo: Cadáver Electrónico - a versão digital do Cadáver Esquisito, esse tão conhecido jogo de mesa surrealista, no qual se enchia um dos quadrantes de uma folha de papel dobrada com desenhos ou frases, desconhecendo cada um dos participantes as contribuições dos outros. Desdobrava-se, então, o papel, e a frase ou o desenho surgia na sua totalidade fragmentada. “O cadáver esquisito beberá o vinho novo” foi a primeira frase produzida. A prática do Cadáver Esquisito propagou-se aos actuais meios de comunicação de uma forma inexorável . Agustina Bessa-Luís fala claramente da morte do romance como algo imanente aos processos da sua obra narrativa.
Mais do que a “moderna epopeia”, como pretendia Hegel, o romance moderno é a anti-epopeia do desencanto, consciência dilacerada de que já não é possível ordenar a multiplicidade da experiência numa totalidade. Neste preságio, Agustina vem acompanhada por Mandelstam (“O Fim do Romance”, 1922), por Walter Benjamin, num texto de 1930 (“Crise do Romance”), sobre o romance de Alfred Döblin, por Robert Musil, num texto intitulado “A Crise do Romance”, por Adorno e Kundera, que faz do romance o “organon” especulativo por excelência .
A arte do romance entrou em crise, e com ela a própria definição do literário, que deixou de ser uma qualidade intrínseca aos escritos e que lhes seria imanente. O literário é um valor dado a determinados escritos por aqueles que os praticam, produtores ou consumidores. É o uso dos discursos que faz a literatura. O valor literário é um valor de uso. Situação de miséria: na falta de uma tipologia dos discursos fundada na imanência, ficou-nos uma tipologia das práticas e dos usos independente de uma qualquer propriedade textual. Se o livro perdeu a sua materialidade - e a sua ontologia - no espaço fantasmático do écran, da folha líquida (ou de luz, como lhe chama Pedro Serra) do computador, também a leitura se torna fantasmática.
As palavras de Mallarmé: Je donnerai les vêpres magnifiques du Rêve, et leur or vierge, pour un quatrin, destiné à une tombe ou à un bonbon, qui fut réussi, insinuam que a escrita podia ser uma demanda de perfeição, apesar das circunstâncias em que é criada - como os seus destinatários. À luz do paradigma da escrita electrónica, estas palavras já nos parecem um tanto antiquadas. Para os conquistadores do ciberespaço , a perfeição formal da escrita ou a questão da literariedade é um luxo fútil. É verdade que Mallarmé disse que quem fala não é o autor mas a linguagem. Já para René Char, por exemplo, ou Yves Bonnefoy, as exigências da escrita correspondem a uma alta concepção da poesia; uma palavra veementemente injuntiva esconde uma fragilidade que lembra ao poeta quão alto ele sobe apesar da sua precaridade. Quando a forma da expressão mudou, mudou inevitavelmente também o conteúdo. A nova cultura da escrita, que durante muitas décadas lutou para penetrar no mundo secretamente vigiado pela crítica, encontrou por fim o seu caminho, agora transportada pela electricidade, tornando-se pública, profana, como outrora o fora, sem ter de ser legalizada pela instituição. Tal como Berkerts sublinha: "O domínio já não pertence à palavra impressa. E, como a literatura é, em certa medida, a apoteose da palavra impressa, pouco nos deve surpreender que esteja a perder o seu terreno na ´árvore da ciência´" .
A linguagem torna-se mais "primitiva" (com uma conotação positiva): liberta-se do seu alto espólio cultural, quer na supercorrecção gramatical, quer ortográfica. Torna-se mais um simples instrumento do que uma estrutura hipercomplexa. “As palavras podem ser utilizadas como torradeiras ou abre-latas: podem-se atirar à cabeça de alguém e recolher os estilhaços. As palavras são como os indivíduos agora, não são pesadamente definidas, podemos combiná-las e refigurá-las como peças soltas de um sistema linguístico caótico. E isso poderia modificar todo o ADN cultural” (Derrick de Kerckhove).
A arte da literatura informática tornou-se a arte da transformação, do movimento, do engendramento: imaterial, múltipla, espectacular, pública, para além do simples fito da informação. É preciso insistir nisto: a NET é para as pessoas, não apenas para a informação. Sem sujeito, sem substância, sem suporte, a arte da literatura consiste na sua própria transformação, visual e emocional. O próprio tamanho e estilo dos caracteres é usado frequentemente como objectivo estético. Adrianne Wortzel escreve: "As nossas tecnologias electrónicas em desenvolvimento fornecem-nos um novo tipo de cartografia territorial; mas pode estabelecer-se o mapa ideológico do ´ciberespaço´ examinando os mapas-mundi medievais do século XIII . É uma revolução no espaço e no tempo. As noções de linearidade, de hierarquia e justaposição marcavam o território dos paradigmas em que se pensava a estrutura, o comportamento e as leis. Doravante, todas essas noções terão de ser repensadas.
http://www.triplov.com/hipert/introd.htm